quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Tradição (João José de Melo Franco)



Uma centelha assoprada
pelos deuses.
Uma vontade erguida
por sete chamas.
A voz solitária
que sempre vem
pela via do deserto.
Todos, todos os mortos
da terra.
Todos, todos os cantos
da primavera.
O fruto de todas as colheitas.
A dor de todos os amores.
Nada, nada surpreende
ao poeta!
Escuta...
Escuta os passos na biblioteca
de Alexandria.
Escuta o ruído das penas que se quebram
sobre as mesas.
Escuta
o que dizem
as palavras do poema.


in "Périplo", Ibis Libris, 2012

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

O objeto-livro (Thereza Christina R. Motta)



O objeto-livro
objeta:
qual parte de mim
que procuras?
É o todo ou o nada
que inauguras?
Que sorte te trará
minha leitura?

No mais das vezes
o que dizes
está dito
está escrito
já foi falado.
Mas o obscuro
olhar sobre a obscura fala
é o que o livro oculta.
Não só o que ilumina
mas o que incendeia
o pensamento
e ensina.

A leitura deste livro
pode ser uma obra.
Operar sobre si mesmo
como entalhe.
Lavrar a todo custo
o que lhe falte.
Apenas o silêncio
impera.

O livro-objeto
é o nervo exposto
da espera.
De nada adianta
desesperar:
lê, sê atento
ao que diz
o que é livre
para ser o que é.

Livre para ser
um livro.

25/10/2010 - 17h59

sábado, 1 de maio de 2010

Biblos (Thereza Christina R. Motta)

De fato, o livro surgia ante meus olhos
como um monumento.
Jorge de Lima

Eis o livro aberto, 
as páginas brancas aguardando o poema, 
antes mesmo de ser escrito. 
O livro é anterior ao texto. 
Eis-me áugure do momento irrealizado, 
a decifrar o mito contido nas palavras: 
as imagens jorram como água 
sobre o papel, 
o único a reter a vaga e a poesia, 
forjando na pedra 
o que já tinha sua forma 
e, mesmo interminado, 
é como deveria ser desde o princípio: 
monumento pronto antes de concebido.


in Odysseus & o Livro de Pandora, Ibis Libris, 2012


Livraria Leonardo da Vinci
Foto: Paulo Batelli



"Livros não foram feitos para serem acreditados, mas para se sujeitarem à dúvida." (Umberto Eco)

Livraria Travessa 1
Foto: Paulo Batelli

quarta-feira, 28 de abril de 2010

O livreiro (Daisy Justus)

poucas disciplinas são mais
interessantes que a etimologia

em Paris um livreiro austríaco
abriu um sebo na Place des Vosges

no saguão do museu o poeta
recitou a breve composição

James Joyce escreveu Finnegans Wake
Dom Casmurro é quase um livro didático

quem é o dono do estilo:
o autor ou o personagem?

in "Sala de Ensaio", Ibis Libris, 2010

Livraria Prefácio
Foto: Paulo Batelli



sexta-feira, 9 de abril de 2010

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Os livros (Pedro Lago)


Página.
Pequeno mundo de letras
aprisionadas que formam
mapas.

Grifos de gritos lidos
com ditos essenciais
(pelo menos pra quem os faz),
pois querem ser como os essenciais.
Mitos vivos não mitificados,
ao lado de outros de letra igual,
na estante, do chão ao teto,
distintos em sua autonomia,
fechados num aglomerado
de pequenos mundos,
enumerados ou não.

in Corpo aberto, Ibis Libris, 2010

Livraria da Travessa
Foto: Paulo Batelli

Assim como as pessoas, os livros nascem

"Assim como as pessoas, os livros nascem.
Assim como as pessoas, eles são descobertos.
E tantas vezes enquanto houver pessoas procurando descobri-los.
Os livros, como as pessoas, envelhecem.
Têm manchas de idade, dobras, marcas de expressão.
Assim como as pessoas, os livros são abandonados.
E, também, quando reencontrados, são capazes de serem amados novamente.
Os livros, como as pessoas, podem até ser interpretados de maneiras diferentes, mesmo contando exatamente a mesma coisa.
Talvez seja por isso que os livros se ocupem sempre em contar histórias da vida das pessoas.
Por serem tão parecidas com as deles.
Na verdade, os livros e as pessoas diferem apenas em um ponto: o final.
Porque, ao contrário das pessoas, um livro nunca morre."

(adaptado do texto do marcador do sebo Livros, livros e livros, recém-reinaugurado na Av. Rainha Elizabeth, 122, loja E, Copacabana, Posto 6)

Rio de Janeiro, 1o. de abril de 2010 - 21h50

Livraria Prefácio
Foto: Paulo Batelli



domingo, 21 de março de 2010

Ao alcance da mão

O livro deve estar ao alcance da mão, quando não está em nossa memória.
O convívio com o livro é um hábito que se renova a cada página, como se ler fosse muito fácil e assim se torne à medida que lemos.
Ler aos poucos cria fôlego para se ler mais, até não saber quanto se consegue devorar com os olhos.
Tudo é minuciosamente escrutinado, à procura de sinais, baixos-relevos, inscrições apenas palpáveis, adivinhadas entrelinhas.
Ler algo que nos soa correto, descortina um novo horizonte.
Olhamos detidamente para o que descobrimos.
É inaugurado um novo princípio, passamos à próxima leitura mais sábios e mais ávidos.
Livros podem ser olhados ao acaso, como se folheássemos algo que não nos pertence, mas subitamente pode passar a fazer parte de nós.
E uma vez que desvendemos esse segredo, jamais o perdemos, porém, só o compartilhamos com quem também já o desvendou.
O hábito da leitura tem de se instalar aos poucos.
Nada aos saltos perdura.
Para fazer sempre é preciso constância, passos lentos para ir mais longe.
Ler apenas o que nos agrada, acostumar o olho à página, até que se aprenda a suportar qualquer texto e saber recusar um só ao vê-lo de relance.
Não devemos nos forçar à leitura.
A leitura não prazerosa se torna automática. Nada fica.
Impossível reter qualquer palavra.
Ler durante o tempo que se tolera, imerso no texto, como um peixe - nadar até ficar exausto.
Tentar ler o que nunca se pensou gostar.
Inaugurar novos caminhos.
Cada leitura conduz a um destino não planejado.
E ao alcançá-lo, acreditar que não havia melhor lugar para se estar.
O livro é feito não apenas para os olhos, mas para o tato.
Tocá-lo faz parte da leitura.
Saber que o que emana dele recende a jasmim ou sândalo.
Deixamo-nos seduzir pelos sentidos.
Um livro é sempre um objeto de toque.
O olho percebe o que as mãos já sabem.
E, ao saborear as palavras, sente-se repleto.

Rio de Janeiro, 10 de junho de 2005 - 13h12
Thereza Christina Rocque da Motta


Livraria da Travessa

Foto: Paulo Batelli



"Talvez por isso lemos. Em momentos de trevas, voltamos aos livros para encontrar palavras para o que já sabemos." (Alberto Manguel)

Livraria Leonardo da Vinci
Foto: Paulo Batelli

"O mestre nem sempre é encarnado. Ele pode estar encadernado num livro." (Thereza Christina Rocque da Motta)

Livraria Leonardo da Vinci
Foto: Paulo Batelli